O momento, “uma grande emoção”, leva a investigadora - que já tinha em mente estudar as similitudes entre as solenidades da Semana Santa de Braga e da cidade brasileira de S. João del-Rey - a perceber que, “apesar do imenso oceano” que separa estas duas cidades e o tempo enorme que as distancia desde o período colonial, elas continuam intimamente ligadas” pela celebração da Paixão de Jesus Cristo.
Da emoção inicial Suely Franco passa ao rigor da investigação antropológica e histórica sobre a origem comum das solenidades da Quaresma e da Semana Santa em Braga e na cidade do Estado de Minas Gerais. Os resultados estão expressos na tese de doutoramento ‘Duas cidades, uma festa: a Semana Santa no mundo lusófono (S. João del-Rey e Braga séculos XVIII-XXI)’, defendida por Suely Franco na Universidade Paris III - Sorbonne Nouvelle, em Janeiro deste ano.
A pesquisa da antropóloga brasileira, que assistiu a todas as cerimónias da Semana Santa de Braga durante três anos consecutivos, demonstra que S. João del-Rey preservou durante mais de três séculos rituais e devoções levados da diocese de Braga pelos seus fundadores. “Alguns rituais que se mantêm vivos em S. João del-Rey também são realizados em Braga e preservados quase na sua integralidade. Também detectámos algumas formas de realização de cerimónias que já existiram em Braga mas que foram eliminadas e que persistem em S. João del-Rey”, atesta Suely Franco.
“Temos em S. João del-Rey, como em Braga, as vias sacras externas que percorrem as ruas do centro histórico. Há também a Procissão do Encontro, quando as imagens de Cristo e de Nossa Senhora das Dores se percorrem em procissão levadas em andores e se encontram em uma praça onde há um sermão”, precisa a investigadora da Universidade Federal de S. João del-Rey, que atestou as semelhanças das solenidades das duas cidades num extenso acervo fotográfico.
A prova fotográfica
“Utilizei a fotografia não somente como recurso ilustrativo mas também como recurso mui-to importante de análise. É impressionante como muitas das imagens recolhidas apresentam momentos de grande similaridade”, confessa ao ‘Correio do Minho’.
“A Procissão do Enterro e os rituais de sexta-feira são momentos onde encontramos bastante semelhanças”, acrescenta esta investigadora, que se sente “sanjoanense e bracarense com muito orgulho”.
A antropóloga relata que, “como em Braga, a Procissão do Enterro tem forte apelo visual e conta com a participação de todas as confrarias da cidade, seminaristas, eclesiásticos, autoridades civis, religiosas e militares, músicos instrumentistas e cantores”. Até “crianças vestidas de anjo e adultos representando personagens do Antigo e Novo Testamento”.
As semelhanças são visíveis também nos aspectos organizativos: “como em Braga, os lugares de cada integrante na procissão são regidos por um protocolo que vem sendo seguido há séculos”.
Suely Franco diz-nos que não se contentou “em observar Braga somente na Semana Santa”, antes aqui permaneceu “durante toda a Quaresma e também nos dias anteriores e posteriores ao tempo quaresmal para perceber a cidade e o seu ritmo quotidiano, fora da festa”.
Observação que lhe permitiu perceber que, “na actualidade, Braga e S. João del-Rey apresentam elementos materiais (património arquitectónico e religioso) e modos de vida muito semelhantes. São duas cidades com uma forte presença do religioso na vida quotidiana de seus cidadãos”.
Afinal, os portugueses que chegaram a S. João del-Rey no século XVIII, atraídos pela descoberta do ouro, “trouxeram em sua bagagem a religiosidade e as formas de sociabilidade. Fundaram as confrarias, irmandades das ordens terceiras, baseados nas mesmas devoções existentes na Diocese de Braga”.
Para chegar a esta conclusão, Suely Franco fez, para além da observação das solenidades que se mantêm nos dias de hoje, um estudo comparativo baseado em diversas fontes documentais, nomeadamente os registos das confrarias de Braga e S. João del-Rey.
A consulta dos programas deste ano das solenidades da Semana Santa em Braga e em S. João del-Rey servem igualmente para confirmar a tese de Suely Franco. No passado domingo, as duas cidades onde “os modos de vida, as relações familiares, as devoções aos santos, a Nossa Senhora e Cristo são expressas pelos seus habitantes através de inúmeras festas ao longo do ano”, assistiram à passagem das procissões dos Ramos e dos Passos.
Quinta-feira santa, os arcebispos das duas dioceses protagonizam a cerimónia do lava-pés e, na sexta-feira, a procissão do Enterro do Senhor afirma-se, em Braga e em S. João del-Rey, como um dos quadros religiosos que mais fiéis e turistas atraem às duas cidades.
03-04-2012 - Correio do Minho
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